Projeto que equipara interrupção da gravidez após 22 semanas ao crime de homicídio enfrenta protestos e reação contrária da sociedade civil

Divergências políticas têm reflexo na escolha do novo dirigente David Ribeiro/Câmara dos Deputados

Em meio a protestos nas ruas e forte reação contrária nas redes sociais, a votação do projeto que equipara o aborto após a 22ª semana ao crime de homicídio deve ser adiada na Câmara dos Deputados. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do texto e membro da bancada evangélica, admitiu que a análise do projeto pode ser postergada para o fim do ano, após as eleições municipais. Inicialmente, o governo não se opôs à aprovação da urgência para a tramitação da proposta, mas agora afirma que atuará para barrar seu avanço no Congresso.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia sinalizado que a proposta seria adiada. Após uma votação relâmpago para aprovar a urgência do projeto, Lira afirmou que não há previsão para a nomeação de um relator nem para a inclusão do mérito do texto na pauta. Lira tem sido um dos principais alvos dos protestos desde a aprovação da urgência.

Durante o fim de semana, novas manifestações contra o projeto ocorreram em ao menos oito capitais. No domingo, protestos foram realizados em Vitória e Palmas, enquanto no sábado, São Paulo e Belo Horizonte foram palco de atos similares.

Sóstenes Cavalcante, adotando um discurso semelhante ao de Lira, disse que não há pressa para que a iniciativa seja votada, apesar da aprovação da urgência. Ele explicou que o projeto é uma promessa feita por Lira à bancada evangélica durante sua campanha à reeleição para a presidência da Câmara em 2021, e que o compromisso pode ser cumprido até o fim do ano.

“Não estou com pressa nenhuma. Votei a urgência e agora temos o ano todo para votar isso. O Lira tem compromisso conosco e ele pode cumprir até o último dia do mandato dele”, afirmou Cavalcante, que já presidiu a Frente Parlamentar Evangélica, conhecida como bancada da Bíblia. — Se não cumpre, fica difícil pedir apoio para o candidato à sucessão.

O apoio de Lira a projetos importantes para o bolsonarismo na Câmara tem sido visto como uma tentativa de assegurar o apoio do PL e fortalecer a candidatura de um aliado para sucedê-lo no cargo. O PL, maior partido de oposição, com 95 deputados, terá um papel decisivo na disputa interna, marcada para fevereiro de 2025. Lira não se manifestou sobre o assunto.

Cavalcante minimizou os protestos e criticou a intervenção do governo para tentar barrar a iniciativa após inicialmente não se opor. Ele afirmou que a estratégia será “jogar parado”.

“O governo está dando corda para as feministas nesse assunto, elas estão desesperadas. Eu estou muito calmo, deixa elas sapatearem. Eu já ganhei, votamos a urgência, sem nominal, ninguém chiou, tudo caladinho, tudo dominado, dominamos 513 parlamentares. Eu sei jogar parado, eu jogo parado”, disse Cavalcante.

A urgência foi aprovada de forma simbólica, sem registro de como cada deputado votou, e sem oposição significativa do PT e partidos da base aliada. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a questão “não é matéria de interesse do governo”.

Nos bastidores, essa posição foi vista como uma tentativa de evitar desgastes com o público evangélico, de quem o presidente Lula deseja se reaproximar. Cavalcante afirmou ao jornal “Folha de S.Paulo” que a votação seria “um bom teste para o Lula provar aos evangélicos se o que ele assinou na carta era verdade ou mentira”, referindo-se ao documento assinado por Lula durante a campanha presidencial de 2022, no qual ele afirmava ser contra o aborto.

Cavalcante é próximo do pastor Silas Malafaia, seu companheiro na Assembleia de Deus Vitória em Cristo e um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Deixe um comentário

Tendência